17.11.08

Beta-bloqueadores no perioperatório de intervenções cirúrgicas não cardíacas – os novos dados do estudo POISE

No dia 13 de maio a revista britânica The Lancet publicou, em seu site os resultados do estudo POISE e com isso iniciou um intenso debate que envolveu médicos, repórteres e pacientes. O estudo POISE é, até agora, o maior estudo clínico já realizado para investigar o papel dos beta-bloqueadores no perioperatório de intervenções cirúrgica não-cardíacas. Os mais de 8.000 indivíduos incluídos foram aleatorizados para receber metoprolol ou placebo. É importante salientar que somente as intervenções cirúrgicas eletivas foram analisadas e pacientes que já faziam uso de beta-bloqueador por outras razões, não foram incluídos neste estudo. Com relação aos desfechos cardiovasculares, como morte cardíaca e infarto não fatal, o POISE revelou resultados semelhantes aos estudos anteriores com menos pacientes: o grupo que recebeu metoprolol apresentou incidência de complicações significativamente menor do que o grupo controle. Por outro lado, o que chamou a atenção dos investigadores foi o resultado da análise dos desfechos secundários, morte por todas as causas e acidente vascular cerebral (AVC). Nesta análise, os pacientes que receberam metoprolol apresentaram taxas maiores de complicações. Segundo os autores, a hipotensão e a bradicardia, mais frequentes no grupo que recebeu metoprolol, teriam sido responsáveis pela maior ocorrência de complicações, em especial AVC. A interpretação desses dados fez os investigadores do POISE concluírem que o uso de metoprolol no ambiente perioperatório é capaz de reduzir a chance de complicações cardiovasculares, MAS a um custo muito elevado: aumento da chance de morte ou de AVC. Os autores do trabalho acrescentaram que as recomendações relativas ao uso de beta-bloqueadores contidas nas diretrizes de tratamento perioperatório deveriam ser reformuladas. O editorial que acompanha o artigo recomenda, entretanto, cautela com relação a esta decisão. Aponta problemas com relação à escolha da dose de metoprolol adotada pelo estudo POISE (100 mg na primeira dose, atingindo 200 mg por dia) ou seja, 50% da dose máxima permitida para esse medicamento. Segundo o editorial, esta dose é muito mais alta do que a utilizada em estudos anteriores, o que poderia explicar a ocorrência de hipotensão e bradicardia. De fato, a análise dos dados do POISE, incluindo o material adicional oferecido pelos autores e disponível no site da revista, revela que não foi desprezível o número de pacientes que desenvolveu hipotensão e bradicardia. Hipotensão e bradicardia, embora possam representar complicações potencialmente graves, quando prontamente reconhecidas e tratadas por meio de suspensão do beta-bloqueador e medidas para elevação da freqüência cardíaca e da pressão arterial, não estão associadas a elevações significativas de taxas de complicações. Estas conclusões provêm de estudos com pacientes na fase aguda do infarto agudo do miocárdio onde os beta-bloqueadores têm seu benefício comprovado, mesmo numa situação onde a hipotensão e bradicardia poderiam reduzir perfusão coronariana e aumentar o tamanho do infarto. Como lidar então com as informações do POISE aparentemente contraditórias aos conceitos arraigados e, mais importante, em conflito com a fisiopatologia das complicações cardiovasculares e com os mecanismos de cardio-proteção dos beta-bloqueadores? Mais uma vez, com cautela. Aqui vão algumas recomendações:

1. Os indivíduos em uso prévio de beta-bloqueador não foram incluídos no POISE. Este indivíduos NÃO devem ter o beta-bloqueador suspenso antes de intervenção cirúrgica não cardíaca.

2. TODOS os indivíduos que fazem uso de beta-bloqueadores no perioperatório de intervenções cirúrgicas não cardíacas devem ser rigorosamente monitorizados com relação à ocorrência de hipotensão e bradicardia. Caso uma destas complicações seja diagnosticada, o medicamento deve ser prontamente suspenso e devem ser estabelecidas medidas para sua correção.

3. Enquanto aguardamos análise mais detalhada dos dados do estudo POISE, recém publicado, as recomendações relativas ao uso de beta-bloqueadores no perioperatório de intervenções cirúrgicas não cardíacas devem ser mantidas.

Bruno Caramelli
Daniela Calderaro
Pai Ching Yu
Danielle Menosi Gualandro
Andre Coelho Marques
Comissão de Avaliação Perioperatoria da SBC 

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